segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

A Música e a Liturgia

112. “A tradição musical da Igreja é um tesouro de inestimável valor, que excede todas as outras expressões de arte…”
116. “A Igreja reconhece como canto próprio da liturgia romana o canto gregoriano; terá este, por isso, na acção litúrgica, em igualdade de circunstâncias, o primeiro lugar”.
118. “Promova-se muito o canto popular religioso…”
36. “Deve conservar-se o uso do latim nos ritos latinos…poderá conceder-se à língua vernácula lugar mais amplo … em algumas orações e cantos…”
In Constituição A Sagrada Liturgia
Ou, no saber de Joseph Ratzinger: “Gandhi evidencia três espaços de vida do Cosmo e mostra como cada um destes três espaços vitais comunica também um modo próprio de ser. No mar vivem os peixes e silenciam. Os animais sobre a terra gritam, mas os pássaros, cujo espaço vital é o céu, cantam. Do mar é próprio o silenciar, da terra o gritar e do céu o cantar. O homem, porém, participa de todos os três: ele carrega em si a profundidade do mar, o peso da terra e a altura do céu; por isto são suas as três propriedades: o silenciar, o gritar e o cantar. Hoje (...) vemos que ao homem privado de transcendência permanece somente o gritar, porque deseja ser somente terra e procura transformar também o céu e a profundidade do mar em sua terra. A verdadeira liturgia, a liturgia da comunhão dos santos, devolve-lhe a sua totalidade. Ensina-lhe novamente o silenciar e o cantar, abrindo-lhe a profundidade do mar e ensinando-o a voar, o ser do anjo; elevando o seu coração, faz ressoar de novo nele aquele canto que se havia adormecido. Ou ainda, podemos dizer que a verdadeira liturgia se reconhece exactamente no facto de que esta nos liberta do agir comum e nos restitui a profundidade e a altura, o silêncio e o canto. A verdadeira liturgia reconhece-se no facto de ser cósmica, e não sob a medida de um grupo. Ela canta com os anjos. Ela silencia com a profundidade do universo à espera. E assim ela redime a terra”.
In Cantate al Signore un Canto Nuovo, pp. 153-154

Eis em breves linhas as principais determinações para o papel da Música na Liturgia e o seu sentido último aqui metaforicamente descrito pelo actual Pontífice Reinante, Bento XVI.
Os Coros e Capelas têm assim a dificílima tarefa de ajudar os fiéis a participar espiritualmente no Sacrifício Eucarístico, o que exige elevação, missão bem mais profunda e trabalhosa do que pôr a Assembleia meramente em acção, a como infelizmente nos acomodamos em muitas das nossas comunidades.
Infelizmente, ou por muitos dos responsáveis eclesiásticos não serem gente da Música ou da arte, ou por muitos dos responsáveis da Música e da arte na Igreja não serem gente crescida na liturgia, só agora, com o refrescar da memória do verdadeiro conteúdo dos documentos conciliares, com a subida ao trono pontifical do grande teólogo citado, com o esforço incansável, persistente e decido do Santo Padre, passados quarenta anos, se começa a perceber o erro de algumas das ligeirezas que nos foram ensinadas por responsáveis da própria Igreja, às gerações mais novas, muito próprias dos devaneios da época, certamente com a melhor das intenções, mas que afinal eram fruto de falta de estudo e má interpretação do próprio Concílio – “diz-se que agora é assim” - além de terem resultado no esvaziamento das Igrejas a que fomos assistindo nestes anos de “aproximação aos tempos de hoje”!
Claro que a verdadeira Música Sacra dá trabalho a ensaiar, a executar e, às vezes, até a fazer compreender e chegar ao seu fim último, que é a interiorização e a espiritualidade.
Claro que, à primeira vista, sobretudo nos meios mais periféricos que não são nem bucolicamente rurais, nem culturalmente urbanos, as pessoas, ao primeiro instinto, preferem coisas mais ligeiras, que lhes puxe ao sentimentalismo primário que está à flor da pele. Dá a mesma alegria de quem traz para casa sacos cheios de compras.
Nessa versão a Missa é festa, é folia, é palmas… rapidamente se transformando em biatisse e a pieguisse de muito calor entre os homens, mas de conteúdo muito frio entre os homens e o Sacrificado no Altar!
A Missa serve para fazer o Homem encontrar-se com Deus, interiorizar, participar da Sua paixão e morte, crendo na Sua Ressurreição.
Aliás, só esse é o sentido do apelo à participação do Concílio Vaticano II, conforme o Magistério da Igreja, muitas vezes confundido com o perturbador activismo dos leigos na liturgia.
A Missa será assim Ritual? Claro!
Mas vamos ficar presos a fórmulas? Não devemos inovar e adaptar? Devemos, quem? Quem é um para se achar superior a quantas gerações nos legaram a Tradição ou aos tantos que estudam a Liturgia com profundidade ou a vivem com tão maior espiritualidade?
A Missa só é Solene se for Ritual: com a sacralidade que cada palavra transporta, na oração ou no canto!
Aliás, a discussão sobre o tema é quase inócua. Só há uma forma de o fazer: mostrando na prática quão mais rica é a liturgia quando envolta na arte da música sacra trabalhada sobre a intemporalidade do latim.
Hoje, que a maior parte dos que gritavam por simplismo e banalidade abandonou a Igreja à medida que o foi conseguindo, restando já apenas alguns saudosistas das velharias ideológicas dos anos sessenta, o tempo para os cristãos é de amadurecermos e entendermos a riqueza da Liturgia, de alma e coração, convictamente, aprofundando o trabalho litúrgico que a Igreja nos tem desafiado a fazer, percorrendo na celebração da Fé o caminho que distingue a nossa pequenez e miséria da grandeza e do esplendor de Deus.
Só é digno de Deus o melhor que cada Homem consegue.
Desde logo o Canto e a Liturgia.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

As Festas do Patrono da Cidade.

Já diziam os antigos que Janeiro é mês santeiro. Dos mais populares desta quadra pós natalícia, São Gonçalo abre a época no dia 10, Santo Amaro e Santo Antão intermedeiam a 15 e a 17, e São Sebastião, o soldado romano invocado contra a peste, tal como aconteceu em Ponta Delgada, nos anos 1523 a 1531, em que a população formulou um voto de levantar um templo maior no local da pequena Ermida da então Vila, quando o flagelo acabasse, é festejado a 20 de Janeiro.
Terminada a peste, logo os habitantes de Ponta Delgada tomaram São Sebastião por seu padroeiro, iniciando a construção de uma Igreja maior.
Desde então, o Município encarregou-se de promover as festividades em honra do Patrono da Cidade, com Missa Solene, seguida de Procissão, onde se incorporavam as autoridades, a oficialidade, o senado, uma força militar e a respectiva Banda.
Por deliberação de 18 de Janeiro de 1578, pagava também a Câmara, das suas rendas, uma dança e folia na festa do excelso padroeiro, que grande era a devoção que lhe tinha este povo e a popularidade desta festa entre as gentes da cidade, que, logo na véspera do dia vinte, saiam à rua em descantes, cantando, ao som de violas e guitarras, as conhecidas sebastianas.
E rezam também as crónicas que na característica procissão da Cidade integravam-se 23 andores, fechando com o do Glorioso Mártir, profusamente ornamentado, em cujo andor, levado por quatro artilheiros, lá ia a mais bela e farta das laranjeiras da época, como hoje, na Capela Mor.
Percorria toda a cidade, em percurso semelhante ao do Senhor, sendo o venerando soldado efusivamente saudado, com vinte e um tiros de peça, ao passar no castelo de São Brás.
Mas veio a República e vieram as proibições de exteriorização de fé, para não ofender a minoria laica que entretanto foi crescendo como a erva à solta. E lá se foi a Tradição. Parte da tradição. A principal continua bem viva. No Domingo, dia 18, há Missa Solene, às 5 da tarde, na Igreja Matriz de Ponta Delgada, onde toma assento a Senhora Câmara, o Reverendo Clero e a cristandade micaelense da secular cidade.
Nas velhas casas, a fruta do dia, que outrora era dada aos amigos ou, por vezes, festivamente atirada, à saída da Igreja, a laranja, ornamenta o santinho e dá o requintado sabor ao bolo típico da festa que, no recato do lar, a tradição vive e tempera a vida e enche a alma, pois que o corpo, em dia de batalha, cá em casa se fica por umas boas tripas à moda do Porto...

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

O Regresso da Liturgia...

In The New York Times
Por Kenneth J. Wolfe

AO ENTRAR na igreja há 40 anos atrás muitos católicos romanos talvez tenham se indagado onde estavam. O sacerdote não somente falava em inglês ao invés de latim, mas também estava voltado para os fiéis e não para o sacrário; os leigos assumiam os deveres anteriormente reservados aos sacerdotes; a música popular enchia o ar. As grandes mudanças do Vaticano II haviam chegado a casa.
Tudo isso foi uma ruptura radical da Missa Tradicional em Latim, codificada no XVI século, do Concílio de Trento. Durante séculos a Missa servia como um sacrifício estruturado com diretrizes, chamadas “rubricas” que não eram opcionais. É assim que a coisa é feita, dizia o livro. Tão recentemente quanto 1947, o Papa Pio XII havia emitido uma encíclica sobre liturgia que zombava da modernização. Ele dizia que a ideia de mudanças à Missa Tradicional em Latim lhe “afligia dolorosamente”.
Paradoxalmente, entretanto, foi o próprio Pio [XII] o grande responsável pelas mudanças significativas de 1969. Foi ele que nomeou o arquiteto chefe da Missa nova, Aníbal Bugnini, para a comissão de liturgia do Vaticano, em 1948.
Bugnini nasceu em 1912 e foi ordenado sacerdote vicentino em 1936. Embora Bugnini mal tivesse uma década de trabalho em paróquia, Pio XII constituiu-o secretário para a Comissão da Reforma Litúrgica. Nos anos 1950, Bugnini conduziu uma grande revisão das liturgias da Semana Santa
O papa seguinte, João XXIII, nomeou Bugnini secretário para a Comissão Preparatória para a Liturgia do Vaticano II, cargo no qual ele trabalhou com clérigos católicos e, surpreendentemente, alguns ministros protestantes nas reformas litúrgicas. Em 1962 ele escreveu qual viria a ser a Constituição sobre a Sagrada Liturgia, o documento que deu a forma da Missa nova.
Muitas das reformas de Bugnini objectivaram agradar aos não católicos, e foram feitas alterações imitando cultos protestantes, incluindo a colocação de altares virados para o povo, em vez de um sacrifício em direção ao oriente litúrgico. Como ele afirmou, “precisamos tirar da nossa liturgia católica tudo o que possa constituir a sombra de uma pedra de tropeço para os nossos irmãos separados, ou seja, para os protestantes.” (Paradoxalmente, os anglicanos que se unirão à Igreja Católica em razão da mão estendida do papa actual usarão a liturgia que sempre apresenta o sacerdote voltado na mesma direção da assembleia).
Como foi que Bugnini foi capaz de fazer mudanças tão avassaladoras? Em parte porque nenhum dos papas a quem ele serviu eram liturgistas. Bugnini modificou tantas coisas que o sucessor de João, Paulo VI, algumas vezes, não sabia das últimas diretrizes. Certa vez o papa questionou as vestes que sua equipe lhe havia designado, dizendo que elas eram da cor errada, somente para ouvir que ele havia eliminado a celebração de Pentecostes com duração de uma semana e que não podia vestir os respectivos trajes vermelhos para a Missa. O mestre de cerimónias do papa à época assistiu Paulo VI a debulhar-se em lágrimas.
Bugnini caiu da graça nos anos 70. Rumores espalharam-se na imprensa italiana de que ele era maçom, que, caso seja verdade, teria merecido a excomunhão. O Vaticano nunca negou as queixas, e em 1976 Bugnini, que naquela época era um arcebispo, foi exilado para um cargo formal no Irã. Ele faleceu no esquecimento, em 1982.
Mas o seu legado sobreviveu. O Papa João Paulo II continuou as liberalizações da Missa, permitindo que mulheres actuassem no lugar de acólitos e permitiu que homens e mulheres não ordenados distribuíssem a comunhão nas mãos de fiéis de pé. Mesmo organizações conservadores como a Opus Dei adoptaram as reformas da liturgia liberal.
Porém, Bugnini poderá ter finalmente encontrado o seu antagonista à altura em Bento XVI, ele mesmo um renomado liturgista que não é fã dos últimos 40 anos de alterações. Cantar em latim, vestir trajes antigos e distribuir a comunhão somente nas línguas (em vez das mãos) de católicos ajoelhados, lentamente Bento reverteu as inovações de seus predecessores. E a Missa em Latim está de volta, pelo menos, de maneira limitada, em locais como Arlington, Va., onde uma em cada cinco paróquias oferecem a liturgia antiga.
Bento compreende que os seus jovens padres e seminaristas – a maioria nascida depois do Vaticano II – estão ajudando a conduzir uma contra-revolução. Eles apreciam a beleza da Missa solene e o seu respectivo canto, incenso e cerimónia. Sacerdotes de batina e freiras de hábito podem ser vistas novamente; sociedades tradicionalistas como o Instituto Cristo Rei estão se expandindo.
No início desta década, Bento (então Cardeal Joseph Ratzinger) escreveu: “O facto do sacerdote se voltar para as pessoas fez com que a comunidade se transformasse num círculo fechado. Em sua forma externa, ela não mais se abre para o que está acima, mas está fechada em si mesma.” Ele estava certo: 40 anos de Missa nova trouxeram o caos e a banalidade no sinal mais visível e externo da igreja. Bento XVI quer um retorno à ordem e ao sentido. Assim, ao que parece, a próxima geração de católicos faz a mesma coisa.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010