segunda-feira, 25 de outubro de 2010

O dobrar dos sinos

Na sua linguagem ancestral, uma das mais belas cadências dos sinos é o seu toque de dobre, o qual, em terra lusitana, do alto das torres das catedrais ou do cimo dos campanários de recônditas aldeias, é o toque de Finados: o choro dos sinos por aqueles que partiram desta vida.
É extraordinário como, do mesmo instrumento e do conjunto dos mesmos timbres e tons, tanto se enche o som da mais profunda tristeza, como, em dia de repique, se anuncia alegria, vida e Ressurreição. Apenas pela diferença de ritmo ou, talvez mais importante, pela diferente simbologia com que cada toque envolve o nosso espírito, que os tem imbuídos na nossa própria identidade.
Assim é por estes dias... Após festejarmos os Santos com indubitável alegria, lembramos os nossos que partiram, que nos transmitiram o que somos e O que cremos, pedindo por eles e para que possam estar em situação próxima dos festejados.
Há quem fuja de tristezas. Mas, quase por azar, vão-lhes, mesmo assim, bater à porta.
Há quem encare a vida com alegria. Destes, são as tristezas que, naturalmente, lhes fogem, porque em tudo o que lhes chega conseguem descobrir ponta de alegria e de esperança.
Ora, para quem se enquadra nestes últimos, quão grande é a beleza desse encontro entre os que estão e os que partiram: cadenciado pela gravidade dos sinos que choram sem silêncio; decorado pelo pesado preto que não precisa de cor para se impor aos olhos cansados de banalidades; interiorizado no íntimo das almas que conseguem admitir em si a pequenez humana com que duvidam do Divino; amarrado a notas largas que timbram vozes suplicantes em ardente Requiem: Libera me Domine de morte aeterna... De uma alegria melancólica. É certo. Daquela alegria que quase perfura a alma, que derrama saudade, mas que assenta na Fé.
Outros preferem esconder-se da realidade da Vida. E, quanto mais se escondem, menos descobrem a Alegria...
E há espaço e tempo para tudo.
Tempo até para as importações de costumes ingleses, que por terem origem medieval e fazerem o contentamento da criançada, vieram para ficar e mal também não trazem.
Tempo para a glorificação dos Santos, tão esquecidos pela religiosidade contemporânea, numa busca quase fanática pelo “essencial”, conceito cada vez mais próximo do vazio absoluto!
Tempo para a visita aos restos mortais daqueles que fazem parte dessa secular cadeia dos que nos passaram o sopro da vida, ou aos de parentes e amigos, aos de gente por quem um dia choramos…
Assim também o fazemos em dia de Todos os Santos. Ao amanhecer, Ponta Garça. Próximo da Solene Missa do Meio-Dia, Vila Franca, com os sentidos acordes da Banda Lealdade que ali pisa em homenagem aquele chão sagrado. No regresso, já em dia de finados, Ponta Delgada. Em todos são deixadas à terra da sepultura as singelas flores nascidas na terra da mesma casa que a muitos deles – avós e tios - deu habitação nessa outra vida que um dia findou… Esperando que também assim, em pétalas de saudade, possamos merecer recordação e oração dos que ficam, quando chegar a hora de mudarmos de terra e nos reencontramos nessa Terra Eterna a que chamamos Céu.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

A Capela do Coro Alto da Matriz de Ponta Delgada

A Matriz de Ponta Delgada tem no seu património uma prestigiada tradição coral, em cinco séculos de vida musical dirigida ao louvor do Criador.
A sua Capela que, do velho Coro Alto, tantas Missas cantou, além da importante missão de solenizar as grandes festividades da Igreja Matriz, com a mais erudita música sacra que compõe o rico património histórico e espiritual da Santa Igreja, esteve sempre presente nos momentos de júbilo mais marcantes desta Ilha, nos quais lhe cabia a execução de Solene Te Deum.
Na sua regência e no órgão, como mestres de capela e como organistas, sempre estiveram vultos conceituados na música, mormente na música sacra.
É a segunda Capela mais antiga da Ilha, após a da Matriz de Vila Franca do Campo, tendo sido seu primeiro Mestre de Capela, no início do século XVI, de acordo com Gaspar Frutuoso, Sebastião Ferreira, pago pelo Rei, tendo esta Capela tanta fama que podia comparar-se a qualquer outra “Sé de grossíssima renda”.
Nota curiosa é dada pela Prof.ª Susana Costa, no seu trabalho Da Eternidade à Historicidade: em 1786, o capitão Francisco Machado de Faria tem problemas em fazer cumprir um vínculo instituído por José Tavares, pois o Mestre de Capela da Matriz de Ponta Delgada recusava-se a cantar as três missas de Natal e a novena pelo preço deixado pelo testador, no valor de 2 700 réis, alegando em carta apresentada ao Provedor: “O meu trabalho, ninguém o pode taxar; a quantia de 2700 não é suficiente para eu satisfazer, aos meus Músicos, nove Missas cantadas em madrugadas de Inverno” pedindo assim que fosse aumentado o estipêndio ou reduzido o número de Missas…
Mas é do século XIX que temos notícia do seu máximo expoente: o Padre Joaquim Silvestre Serrão, organista e compositor sacro, que marcou o seu tempo de tal forma que ainda hoje é bem viva a marca da sua Escola. Tanto assim que os Hinos conhecidos desta Ilha são na sua maioria de alunos seus e têm sempre o toque da sua escola: a divisão em três partes – andante, “dedilhado” e marcial.
Joaquim Silvestre Serrão deixou uma vasta obra musical, que inclui matinas e ofícios completos para as cerimónias da Semana Santa e responsórios vários, entre os quais um dedicado a São Sebastião, o padroeiro, além de Hinos como o da Senhora da Conceição e o do Menino Jesus. Normalmente a autoria dos seus Hinos vem por tradição oral, pois que não vêm assinados.
Francisco de Lacerda considerou-o um verdadeiro talento musical, destacando a qualidade das suas Matinas da Semana Santa.
O Padre Serrão foi também um notável organeiro. Em colaboração com João Nicolau Ferreira, reparou e construiu um número significativo de órgãos das várias ilhas. Esteve ao serviço da Matriz de 1841 a 1877.
Veio para Ponta Delgada a convite do seu grande amigo D. Frei Estêvão de Jesus Maria, notável Bispo que entrou na diocese de Angra em 1840, tendo permanecido em Ponta Delgada por 19 anos, até que assentasse a poeira liberal na velha sede do bispado. Essas décadas de quarenta e de cinquenta, nesta cidade, ficaram assim marcadas por grandiosos pontificais que em muito se deveram à solenidade do Prelado e à mestria do distinto músico.
Foi posteriormente Mestre de Capela da Matriz o seu aluno Jacinto Inácio Cabral, nascido por volta de 1812, autor do Hino do Espírito Santo, e de muitas outras composições, como o Hino da Banda Velha de Rabo de Peixe, estreado na Festa de 1868, ou o Hino de N.ª Senhora da Luz, estreado na Festa dos Fenais, em 1889.
Já no século XX, dirigiu a Capela Manuel Maria de Melo, sendo seu maestro em 17 de Fevereiro de 1952, nas Solenes Cerimónias do Centenário do Liceu Nacional, do qual era também professor de Canto Coral, e de quem se conhece a composição de uma Missa, de um Te Deum e da obra Contemplação. Também sob a sua Regência foi cantada por esta Capela a inauguração da Ermida de Nossa Sr.ª de Fátima no Livramento, a 13 de Maio de 1956.
Sucedeu-lhe Norberto Juvenal Pimentel da Costa, já barítono do Coro no tempo de Manuel Maria de Melo e, posteriormente, Luís Teves, também compositor e que ainda colabora com a Capela do Coro Alto.
Após a vinda do Monsenhor José Ribeiro Martins para a Matriz, em 1977, foi Mestre de Capela o Doutor José Carlos Rodrigues, precursor na Ilha da nova escola interpretativa trazida de Roma, para o Seminário, pelo Pe. José Silveira de Ávila, nos anos vinte, e aprofundada pelo Dr. Edmundo Machado de Oliveira, nos anos cinquenta, de quem foi aluno.
Entretanto, de acordo com o então dominante conceito generalista do chamado “espírito do concílio”, interrompeu-se a tradição coral sacra desta Capela, tendo então o seu maestro fundado, com outros antigos colegas de Seminário, o Orfeão Edmundo Machado de Oliveira, dedicado também ao tesouro artístico musical da Igreja.
Como na maior parte das Igrejas do País, passou a existir então um Grupo Coral, com cânticos mais acessíveis à aparente participação do Povo...
O Grupo Coral ficou desde o início a cargo do então jovem maestro Francisco José do Rego Botelho, o qual, nestas três décadas, foi solenizando o repertório do Coro, também graças às diversas acções de formação em que foi participando, tendo completado o curso de director de coro da Escola de Música Sacra do Centro Nacional de Pastoral Litúrgica, e graças a um reposicionamento que lentamente a Igreja portuguesa tem vindo a fazer mais solidificado na letra dos reais e oficiais documentos do Concílio e menos no tão virtual conceito de “espírito do concílio”.
O Coro Litúrgico anima habitualmente a Missa Paroquial do Meio-Dia.
A 7 de Outubro de 2007, dia de Nª Sr.ª do Rosário, visando solenizar a Missa Dominical das Cinco horas, na Igreja Mãe de Ponta Delgada, a qual é participada por muitos fiéis de visita à cidade, foi criado um pequeno Coro, em forma de Capela, cantando no Coro Alto, acompanhado dominicalmente pelo Órgão de Tubos e violino, nesse emblemático espaço litúrgico, onde, durante séculos, floresceu a melhor tradição coral da cidade e da Ilha.
É seu Mestre de Capela Paulo Domingos Alves de Albergaria Botelho de Gusmão, Advogado, cantor e organista nesta Igreja desde 1987, então com 12 anos.
É Organista nas Festas a Titular da Matriz, Dr.ª Ana Paula Andrade Constância, distinta Professora e Directora do Conservatório Regional de Ponta Delgada, e, dominicalmente, o dedicado jovem Frederico Costa, aluno de Órgão da Profª Cristiana Spadaro. É violinista João Costa, artista de talento e promissor músico.
A Capela do Coro Alto da Matriz de Ponta Delgada é composta por vinte elementos, a maior parte com formação musical, os quais, empenhadamente, procuram contribuir para a solenidade, brilho e espiritualidade na liturgia.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010