quarta-feira, 16 de março de 2011

Ao Cónego José Garcia

Requiem æternam dona eis, Domine,
Et lux perpetua luceat eis
Riquiescant in pace.
Amen.

Que a sua alma descanse em paz, no seio da Eternidade que tão solenemente anunciou ao mundo, em 57 anos de dedicado sacerdócio.
Ao grande mestre da liturgia desta diocese, maior entre aqueles a quem foi dado o dom de compreender a extraordinária beleza e riqueza da ars celebrandis, dessa profunda reverência que é devida pelo homem perante Deus sacrificado no altar.
Nascido a 11 de Agosto de 1928 no Salão, na Ilha do Faial, foi ordenado presbítero a 8 de Dezembro de 1954 na igreja de Nª. Sª. da Conceição de Angra do Heroísmo. Exerceu o seu ministério em 16 Paróquias desta Diocese, tendo sido marcante a sua passagem pela Sé Catedral. Foi aí um mestre prático da Liturgia, marcante para a geração dos que, como eu, alunos do Seminário, tinham na Catedral de então uma presença viva da Igreja Católica, bem mais rica e espiritual que as novas experimentações que faziam as modas... Riqueza que a nossa Sé mantém e cultiva, não fosse o seu actual Pároco e Vigário Geral da Diocese nado e criado nos territórios da Catedral e seu paroquiano.
O Cónego José Garcia fez parte de uma geração de padres que muito deram à Igreja com dedicado zelo e carinho. Era um verdadeiro padre do seu tempo. Dedicava-se e amava a Igreja. Se às vezes não escondia tristeza com o estado a que os novos tempos tinham conduzido as coisas de Deus, também mostrava sempre a sua alegria pelo mais pequeno pormenor que viesse ao serviço da Santa Madre.
Homem de cultura superior, nestes últimos anos em que serviu a nossa cidade, mostrava um carinho muito grande pelo seu precioso Coral de São José. Os dois anos em que tive o gosto e a honra de dirigir o Coro, no Natal e na Semana Santa, foram uma experiência extraordinária pelos pequenos gestos de bondade e ensinamento deste grande Homem.
Lembro-me da primeira Missa em que cantámos, em que o nosso Gonçalo, com 6 anos, como não podia deixar de ser, acompanhou-nos acolitando com o seu traje de Menino do Coro. Foi com os olhos molhados que o velho senhor se dirigiu num repente a casa, no final da Missa, para vir trazer uma caixinha de chocolates, manifestando com aquele gesto simples o seu apreço e agradecimento pela postura da criança, lembrando-lhe os seus próprios tempos de menino...
Uma outra vez ensaiávamos no grandioso Coro Alto o belíssimo Te Deum de Perosi para o final do ano. Qual não foi o meu espanto ao ver àquela hora da noite entrar o Reverendo Pároco embevecido pela música que conseguira escutar em casa, pedindo-me se o autorizava a cantar com o Coro naquele ensaio: "Senhor Maestro, nós cantavamos isto no Seminário. Eu era tenor. Dá-me licença que vá para os tenores? Ouvi ao longe e não consegui não vir aqui..."
Penso que dificilmente um maestro ou um Coro conseguem ter melhor elogio de um Pároco.
Falecido ontem, 15 de Março de 2011, é hoje enterrado no cemitério de São Joaquim, havendo solenes exéquias às 14.00 na sua última menina dos olhos - a opulenta Igreja de São José.

2 comentários:

JBS disse...

Recordo e tenho-me feito eco do que significa a essência da palavra dada.
Precisava a igreja da Ponta Garça de uma fotografia do padre Laudalino Frazão para a galeria dos vigários que passaram pela paróquia da Senhora da Piedade. Incumbiram-me de sondar o cónego José Garcia para dispensar a que havia no Arquivo de da igreja de São José.
"O meu nome é João Sampaio" - referi para o caso de algum descaminho
"O seu nome não interessa" - respondeu resoluto - "o sehhor não vai trazê-lo de volta?"
"Claro" - respondi convicto.
"A sua cereza é mais importante do que o seu nome"
jamais esquecerei a crença do cónego José Garcia

Anónimo disse...

São vidas de uma entrega silenciosa nem sempre acarinhada, mas de horizontes rasgados pela luz dO Altíssimo.

Paz à sua alma, na abundância das alegrias eternas!