domingo, 16 de maio de 2021

À Festa do Senhor São Miguel

 

"Paulo Domingos, não esqueça vir à Festa do Senhor São Miguel", assim se despedia, após a tradicional visita de Páscoa, a minha boníssima Tia Cristiana, zelosa Administradora da nossa Casa da Vila durante 41 anos, após minha Avó e antes de mim.

E, claro, com gosto, cumpríamos o ritual, ano após ano. Lembro-me de ter chegado a ir na primeira camioneta da manhã, assim à última da hora, sozinhos, minha irmã e eu, quando nossos Pais tiveram algum impedimento. Mas, passar o Domingo do Anjo fora da Vila seria como um Natal sem Família.

Só não o fiz, pela distância e com saudade, nos dois anos em que a Primavera da vida foi passada em Angra e, claro, nos quatro anos de Universidade, na nossa Casa de Algés.

E, como criança, apegado que nasci às Tradições, cumpri aquele pedido, o que, mais do que uma obrigação ou cumprimento de vontade da minha santa Tia, era uma alegria, na qual começava a pensar e festejar com semanas de antecedência, ornamentando os Santos Patronos e o Arcanjo, os quais improvisava nos recantos da nossa Casa. A única dificuldade, para criança de Escola, normalmente ultrapassada, era convencer o meu Pai, que Deus tenha, menos festeiro e mais cidadão do Império. Mas, como a minha boa irmã, mais velha do que eu, alinhava sempre no ritual anual, cá estávamos na terra mãe, em Domingo da Festa.

E, hoje, após cada ano que passa, melhor entendo aquela calorosa despedida de Páscoa: a nossa Identidade maior de Vila-franquenses está neste dia.

Claro, a alegria do São João ou a profunda Fé do ciclo do Senhor da Pedra são também parte essencial da nossa Alma. Mas a base, a origem, o que nos distingue, o que é Vila Franca, a Tradição, as nossas Instituições, a nossa forma de ser, a nossa genuinidade, as nossas crenças, o nosso brio, a nossa história, tudo se constrói a partir deste berço que o andor transporta solenemente pelas ruas da Capital: Aniversário da nossa Ilha, do nosso velho Município, do nosso Prioral Coro, da nossa Leal Banda, do nosso magnificente Órgão, Aniversário do nosso laço comum, preso heraldicamente pela Espada do Bem que nos identifica nesta quase pueril caminhada da Vida.

E, hoje, percebo que o desafio magistral da minha velhinha Tia, agarrada corajosamente à Tradição, era  a melhor das saídas em Missão, pois, em fim de vida terrena que já estava, não se preocupava em preservar nenhum passado, pois esse já o tivera, mas em oferecer-nos este presente que temos a obrigação de legar ao Futuro.

E, neste Domingo de 2021, em que, por circunstâncias várias, entre Coros à Senhora, obras no Frias e Processos a cumprir, chego à nossa Vila apenas na Madrugada do Arcanjo, lembro-me do sabor de assim também ter aqui só chegado, já lá vai para quatro décadas.

"Minha Tia, só em Domingo do Anjo, mas cá estamos." À Festa do "Senhor São Miguel".

Post scriptum: "Trouxe a Gisela, que me faz ser duplamente vila-franquense e com quem celebro hoje, 16 de Maio de 2021, 22 felizes Anos de Sagrado Matrimónio; a Cristiana, que sucedeu à Tia, no nome e em ordem, um ano após a sua morte; e a Isabel, que nos unifica em bondade com a nossa Ponta Garça. Ontem alindamos a Quinta, como é costume pela Festa, e, hoje, pedi a Santa Missa por si, pelo meu querido Pai e pelo primo José que partiu, aí para a Eternidade, no fim de semana próprio do Arcanjo. À hora do Almoço será galinha, como sempre, à nossa velha mesa de Família, e, à tarde, o Portão fica no trinco, para quem precisar (como no Vaticano, espero...) Saudades suas e dos vindouros que também não conhecerei mas, Deus queira, se lhes for por bem, aqui estarão..."

Magnífica foto de Edgardo Madeira, à Casa de São Domingos.

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