quarta-feira, 9 de junho de 2021

O nosso Senhor França

À hora de Almoço, bateram-me à porta de Casa, aqui no Frias. Pelo toque, era o Senhor Serginho, mas em som mais acelerado e decidido. Percebi que era algo importante. Quando cheguei à varanda, pensou um pouco, deixou primeiro o silêncio falar e só depois concluiu, com tristeza: “venho comunicar-lhe o que soube há pouco”. Não precisei ouvir mais nada…

Desde o Sábado do Senhor Santo Cristo que o nosso comum Amigo, Senhor França, nunca mais cá aparecera. Despedira-se, aliás, nesse dia, com a refinada educação que transportava consigo, mesmo nos dias de menor fortuna, desejando uma Santa Festa do Senhor e até Domingo, se Deus quiser. Estava mais tristonho, mas isso dava-lhe às vezes. E era natural. A má cabeça condenara-o a uma vida de sofrimento. Mas passava-lhe. E acabava por regressar com boa disposição.

Por sinal, era muito devoto do Senhor Santo Cristo. A última gentil oferta que me fizera fora precisamente um bonito prato da Veneranda Imagem, o qual eu já tinha posto na Sala do Consultório, com Fé no Sagrado Representado e orgulho no dedicado gesto, para lhe mostrar quando ele regressasse. Mas afinal, sem o sabermos, após muitos anos de Amizade, simbolicamente, este Sábado do Senhor Santo Cristo era mesmo o último dia em que nos encontraríamos aqui pelo mundo terreno.

Luís António Fernandes França, nascido a 21 de Setembro de 1966, no seio da elegante Família França desta cidade, ligada à fundação da velha Casa de Américo França, antecessora da loja Gil M. Teixeira, já fora estudante, cumpridor do serviço militar e colaborador dos jornais da praça, mas foi-se deixando decair e vivia já sozinho, pela Calheta, alheado do mundo, embora sempre atento às actualidades políticas da terra e às coisas de Deus. Conheci-o já no meio das suas aflições da vida. Passou a ser um frequentador habitual das nossas Casas, o que muito me honrava. Nem lhe fazia qualquer favor, pois nos dias de Festa era, pela sua cultura tradicional e educação natural, uma boa companhia. Havia até celebrado solenemente os seus 50 anos aqui nas Casas do Frias com a honrosa presença do Cónego Constância, que lhe dedicava Amizade, caminhando agora para os 55 anos, os quais não completou por cá, tendo partido para a Terra dos Vivos na passada Sexta-feira, dia 04 de Junho, sendo sepultado no Sábado, dia 05, no Cemitério de São Joaquim, na campa 105 do talhão norte (7ZA), à qual hoje acorri, na habitual saída após o Almoço, a prestar-lhe a minha última homenagem e rezar por sua alma.

Já tinha estranhado ele não ter aparecido no Domingo do Espírito Santo, como era tradição. E nunca mais cá aparecer. Hoje, quando este nosso Senhor Serginho me disse que vinha dar uma notícia, pressenti logo que fosse isso. A vida mete-nos respeito. Isto, de facto, é tudo tão estranho…

Deus o tenha, que bem merece. Tinha essa má cabeça, mas um grande coração. E uma esmerada educação à moda antiga. Era mesmo um Amigo! Nunca fiquei mais pobre por qualquer miséria que lhe tenha dado, mas hoje ele deixou-nos, a mim, à minha Casa e àqueles que a frequentam, muito mais pobres…

Senhor França, bom Amigo, até à Eternidade, se Deus quiser. Em qualquer dia, que aí é sempre Domingo…

(Foto das Sopas do Espírito Santo das Casas do Frias - 2017)

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