segunda-feira, 19 de abril de 2010

Sevilha

Viajar no tempo é descobrir mundos onde o que pensamos como passado ou futuro é presente bem vivo. Assim é Sevilha. Jovialmente tradicionalista ou, se preferirmos, tradicionalmente jovem. Respira-se um mundo edílico com um vaidoso toque de perfeição.
Tudo é Belo: a alma do povo, a simpatia, a imperial cidade, a Fé, a festa permanente, as pessoas… Gente bonita, aperaltada, educada e bem-disposta. Segura de si. Aberta ao mundo e aos outros. Como é isso possível? Que protecção tem esse povo para não merecer, como os demais, uma nova geração maioritariamente transvestida de piercings e cabelos sebosos?
Será apenas da sua auto-estima? Do seu brio ou cultura? Da sua Fé?
Afinal, nesse grandioso recanto do mundo, a Catedral não se enche com cabelos brancos como as Igrejas dos quatro cantos da nova evangelização. É de gente nova que se compõem as assembleias litúrgicas que acorrem às solenidades da centenária construção. Elas de véu. Todos de boa voz, cantando em uníssono o Pater Noster entrelaçado nos magníficos acordes do sumptuoso Órgão.
Não fora a inigualável companhia do Padre Saldanha, aí concelebrante, e certamente não teria tido a alegria de, juntamente com o grande colega e amigo da velhinha Escola de Angra, Luís Leite, ter vivido no Coro a riqueza da Semana Santa, dirigido por um experiente Cónego, acompanhado ao Órgão por um admirável organista, claro, também ele sacerdote, que, na sua modéstia, me contava com honra ser titular daquele magnífico instrumento há 51 anos.
Na mesma Catedral à volta da qual, tantas vezes perdido, passeou toda a Semana o estimado cunhado Edgardo. Na mesma em que atravessam em penitência as 60 Procissões que se realizam naquela Semana Maior. De madrugada, ou noite dentro, elas percorrem a cidade durante toda a Semana, saindo das diversas Igrejas e capelas da urbe. E se logo à primeira impressão fazem estremecer os sentidos pela opulência e beleza, ou pela envolvência da Música que irrompe a noite numa alegria em choro, maior agitação causam ao espírito pela devoção que transbordam os milhares que as acompanham, anonimamente, encapuçados de nazarenos, com belíssimos trajes que lhes tapam a feição em mais de oito horas de caminhada contínua pela noite fora, muitas vezes até descalços. Assim também as três dezenas que levam em turnos o andor, completamente escondidos debaixo dele, transportando em tonelada e meia de preciosa arte um sinal bem vivo de devoção, Fé e Caridade, pois que todas estas Irmandades se destinam, durante todo o ano, ao auxílio aos mais desfavorecidos.
E, pelas ruas, a cidade agita-se. Sem os velhos preconceitos que continuam a habitar entre nós com o mesmo à vontade que o estilo barato das novelas brasileiras. Sem os novos puritanismos da sociedade dita moderna.
As tascas enchem-se. Abarrotam. E não é de jovens imberbes em bebedeira fácil, nem de maridos rabugentos de botequim de dia inteiro.
Enchem-se do Povo. Do mesmo que enche a Catedral e as Procissões. As touradas e as festas. Os passeios de fim de tarde e a vida da cidade. De homens e mulheres de todas as idades e condições. Conversando, petiscando as omnipresentes tapas, degustando os óptimos vinhos da Região. Sem que se ouçam brigas futebolísticas ou o fanático debate político que persegue o nosso tempo.
Uma lição de vida a quem acredita que é na Identidade de um Povo que está a sua riqueza. Acompanhando o tempo sem nos reduzirmos a caricatura das ilusões que nos emborcam os media…

3 comentários:

Medeiros disse...

Magnifica reportagem!
Fico com desejo num futuro conhecer tal povo, cidade, religiosidade, história, cultura e costumes.
Parabéns à"quadradura do circulo"!

Casa Botelho de Gusmão disse...

Muito obrigado.

JBS disse...

Eu diria que Sevilha será talvez um oasis em terras de Espanha, pois de lá nem bom vento, nem bom casamento...
Também é certo que o pão da minha vizinha é tanto melhor, se comido na casa dela.
Pois é. Tenho de aasestar as agulhas para mais esse recanto de quietude de alma.