Vivemos os dias de Natal.
Celebramos o nascimento do Senhor Deus, feito Menino.
O tempo dos presépios. Ainda bem que estão de volta. É verdade que nunca desapareceram do calor das casas tradicionais: no centro do esplendor dos velhos salões solarengos ou na candura das rústicas cómodas campestres, a graciosa representação do nascimento do Deus Menino nunca perdeu o seu lugar. Porventura foi esquecido, por imitação ou acanhamento, nas assoalhadas em que as modas são ditadas, à classe média, através do aparelho mágico.
Ainda bem que os presépios estão de volta porque são a melhor representação do Natal.
É óptimo que nós sejamos pela Paz, sobretudo se a Guerra, Graças a Deus, está a milhas daqui. É óptimo que as crianças, nestes dias, recitem encantadores poemas sobre os desfavorecidos, que bem padecem do outro lado desta individualista aldeia global. É belíssimo aproveitarmos a época e os dias de repouso para tirarmos tempo para nos reencontrarmos com a família e os amigos. É encantador lembrar aquele velhote barbudo e sorridente, outrora vindo pela chaminé, hoje, a bem dizer, em muitos casos pelo exaustor, com o seu ar triunfante e vitorioso, como a cultura americana.
Para os mais distraídos comemorar-se-iam cem ou duzentos anos de Pai Natal, cinquenta ou sessenta de bolo-rei ou vinte ou trinta de compras ao metro. Mas pouco significará o Natal quando for apenas o espaço de tempo que vai do dia das montras ao dia das compras, ou da noite da comida à do populacho das Avenidas. Com o mérito que cada uma destas facetas tem, enquanto festa social e até dinamização destas nossas Ilhas, nenhuma delas, nem as tantas outras, pode substituir o Natal.
Hoje os presépios voltaram donde tinham sido arredados e isso é um bom sinal. Claro que voltaram tão ao jeito dos nossos dias: porque são vendidos às caixas sobre caixas, entre prateleiras de bacalhau, em réplicas com o toque final dos nossos irmãos chineses, em modelo pronto a armar.
Mas, mesmo assim, ainda bem. Ajudam a lembrarmos a razão da festa: o nascimento de Cristo.
Mas o Natal não é apenas memória, é sobretudo uma celebração.
Uma celebração de Fé.
Nasceu um Menino: Deus fez-se Homem entre os homens.
Crentes ou não crentes, nasceu para todos. O Natal é única e exclusivamente a celebração do nascimento de Cristo. Com todos os adornos que embelezam a festa e até a nossa vida.
Talvez por isso o melhor voto que se possa fazer nesta Festa seja tão só: Um Santo Natal.
Com o respeito que quem não crê nos deve merecer, a absoluta convicção e a alegria do privilégio da Fé é a humildade do reconhecimento da pequenez humana face à grandeza de Deus. Quão mais triste não será acreditar que o homem é o senhor de si mesmo, o maior no cosmos e na ciência, e, de um instante para o outro, faltando o sopro da vida, a magnitude da inteligência e a importância de si mesmo ficam reduzidos a carne putrefacta abandonada à lama submersa da sepultura.
Quão grande é o Dom da Fé: a alma, mais humilde e mais recatada que a razão, mas outrossim, destinada à Glória da Vida.
O Natal é isso mesmo: a festa da Vida. Da Fé na presença de Deus entre os homens.
Simbolicamente, os Meninos de loiça regressaram às nossas casas. Simbolicamente, regressemos nós também à Casa do Menino. A noite de Natal é noite de celebração. Claro que Ele também faz casa sua em cada coração, mas que seria da ceia de Natal se, ao invés de nos encontrarmos, ficássemos cada um na sua solidão com toda a família no coração? Deixemo-nos de poesias e comodismos. Quem tem Fé tem o dever de a assumir e de a viver em comunhão com os outros, em Igreja.
Que mundo queremos afinal para os nossos filhos?
O mundo da futilidade, por mais que seja disfarçado, é inócuo, triste e infeliz.
Quem tem Fé não sinta vergonha de apontar para o Menino que nasceu e nessa ternura reconhecer o próprio Deus.
A estes o Natal significará com certeza a paz consigo próprios, com aqueles que os rodeiam e a verdadeira Justiça com os que lhes estão próximos.
Certamente um Natal bem mais feliz.
Um Santo Natal!
Celebramos o nascimento do Senhor Deus, feito Menino.
O tempo dos presépios. Ainda bem que estão de volta. É verdade que nunca desapareceram do calor das casas tradicionais: no centro do esplendor dos velhos salões solarengos ou na candura das rústicas cómodas campestres, a graciosa representação do nascimento do Deus Menino nunca perdeu o seu lugar. Porventura foi esquecido, por imitação ou acanhamento, nas assoalhadas em que as modas são ditadas, à classe média, através do aparelho mágico.
Ainda bem que os presépios estão de volta porque são a melhor representação do Natal.
É óptimo que nós sejamos pela Paz, sobretudo se a Guerra, Graças a Deus, está a milhas daqui. É óptimo que as crianças, nestes dias, recitem encantadores poemas sobre os desfavorecidos, que bem padecem do outro lado desta individualista aldeia global. É belíssimo aproveitarmos a época e os dias de repouso para tirarmos tempo para nos reencontrarmos com a família e os amigos. É encantador lembrar aquele velhote barbudo e sorridente, outrora vindo pela chaminé, hoje, a bem dizer, em muitos casos pelo exaustor, com o seu ar triunfante e vitorioso, como a cultura americana.
Para os mais distraídos comemorar-se-iam cem ou duzentos anos de Pai Natal, cinquenta ou sessenta de bolo-rei ou vinte ou trinta de compras ao metro. Mas pouco significará o Natal quando for apenas o espaço de tempo que vai do dia das montras ao dia das compras, ou da noite da comida à do populacho das Avenidas. Com o mérito que cada uma destas facetas tem, enquanto festa social e até dinamização destas nossas Ilhas, nenhuma delas, nem as tantas outras, pode substituir o Natal.
Hoje os presépios voltaram donde tinham sido arredados e isso é um bom sinal. Claro que voltaram tão ao jeito dos nossos dias: porque são vendidos às caixas sobre caixas, entre prateleiras de bacalhau, em réplicas com o toque final dos nossos irmãos chineses, em modelo pronto a armar.
Mas, mesmo assim, ainda bem. Ajudam a lembrarmos a razão da festa: o nascimento de Cristo.
Mas o Natal não é apenas memória, é sobretudo uma celebração.
Uma celebração de Fé.
Nasceu um Menino: Deus fez-se Homem entre os homens.
Crentes ou não crentes, nasceu para todos. O Natal é única e exclusivamente a celebração do nascimento de Cristo. Com todos os adornos que embelezam a festa e até a nossa vida.
Talvez por isso o melhor voto que se possa fazer nesta Festa seja tão só: Um Santo Natal.
Com o respeito que quem não crê nos deve merecer, a absoluta convicção e a alegria do privilégio da Fé é a humildade do reconhecimento da pequenez humana face à grandeza de Deus. Quão mais triste não será acreditar que o homem é o senhor de si mesmo, o maior no cosmos e na ciência, e, de um instante para o outro, faltando o sopro da vida, a magnitude da inteligência e a importância de si mesmo ficam reduzidos a carne putrefacta abandonada à lama submersa da sepultura.
Quão grande é o Dom da Fé: a alma, mais humilde e mais recatada que a razão, mas outrossim, destinada à Glória da Vida.
O Natal é isso mesmo: a festa da Vida. Da Fé na presença de Deus entre os homens.
Simbolicamente, os Meninos de loiça regressaram às nossas casas. Simbolicamente, regressemos nós também à Casa do Menino. A noite de Natal é noite de celebração. Claro que Ele também faz casa sua em cada coração, mas que seria da ceia de Natal se, ao invés de nos encontrarmos, ficássemos cada um na sua solidão com toda a família no coração? Deixemo-nos de poesias e comodismos. Quem tem Fé tem o dever de a assumir e de a viver em comunhão com os outros, em Igreja.
Que mundo queremos afinal para os nossos filhos?
O mundo da futilidade, por mais que seja disfarçado, é inócuo, triste e infeliz.
Quem tem Fé não sinta vergonha de apontar para o Menino que nasceu e nessa ternura reconhecer o próprio Deus.
A estes o Natal significará com certeza a paz consigo próprios, com aqueles que os rodeiam e a verdadeira Justiça com os que lhes estão próximos.
Certamente um Natal bem mais feliz.
Um Santo Natal!
1 comentário:
Viagens no Tempo
Um outro Natal
E nada da consolosa tigelada, muito menos papas de arroz e vinho abafado nem pensar...
Mar alto, a lua ainda longe, calada, estrelas a centelhar no grande céu, um cheiro forte, mareiro, e aquela imensidade de água numa ânsia de afogar o novíssimo e soberbo Funchal, passeando-se vistoso num balanceio gracioso a romper a crista do abismo.
Uma nota assim gostosa de modernidade, tão ao invés da minha terra, ela terreira, fria, húmida, sem luz – mas um encanto de escuridão para poetas, nos dizeres do Padre Ernesto Ferreira a meu pai –, consolava-me a alma sofrida, por passar a Noite natalícia longe dos meus, e quem sabe se pior, sobre um mar que nunca cruzara.
Estava assim pesaroso, já se vê, naquela Noite do Menino de 1963, “trocámo-lhe o seu camarote”, comunicou-me um oficial de bordo, no portaló; e parecia ser o primeiro contratempo, “trocaram, e porquê?!”, mas depressa relaxei, porque comprara a passagem da classe mais barata e, claro, a compensação só podia ser para melhor, “sabe, o barco leva menos passageiros, é Natal...”, e meteram-me na Turística, sim, mas superior.
Sem sono, inda acordado, que condão eu pediria ao Tempo de Antero – dorme teu sono, coração liberto – ou se saboreava a pureza de Florbela: amigo... colhe a hora que passa, hora divina, bebe-a dentro de mim, bebe-a comigo, e tudo me adoçava o tino transtornado.
E o afago do sangue na despedida – “boa viagem, querido filho”, se bem me sabia memorá-lo, –, era um lindo Christmas card, como nesta festa nos lembrava minha mãe da sua estremecida América. Entretinha-me a relê-lo amiúde, deitado no beliche já a hora ia rondando a meia-noite – what a beautiful card!
Era um outro Natal, bem às avessas da obra-prima que deixara para trás – a Gruta erguida em pedra queimada e o galo nela empoleirado – tão ao gosto da intimidade dos nossos natais, e deixei-me lavar por uma, duas, quantas lágrimas... – era novo e agora órfão do amor de casa.
Podia adivinhar-lhes a curiosidade – meu pai sempre com tarefas de última hora –, “Maria Ana, liga o rádio!”, para escutarem no Asas do Atlântico o meu primeiro conto de Natal.
Amuado, quiçá desassisado, por não poder ouvir como eles o Asas, “lamentamos muito, mas a essa hora assestamos as agulhas...”, desculpou-se um oficial da ponte, pois acertavam a rota que levaria o Funchal à sua amada cidade. Apenas podia imaginar meu pai, já muito surdo, colado ao velho Phillips de ‘38.
Assim, com os meus tão perto de mim, escorreguei-me lençóis abaixo, enxugando neles o pranto, e esquecia-me de mim, quase adormecendo, não fora mais uma vez o tilintar do xilofone nos corredores, e num pulo com a porta de greta, “para que é isso, agora?”, ele – não tinha ainda a minha idade –, “vai ser servida a Consoada”, e desapareceu no labiríntico navio, sempre tilintando.
Uma alma nova arraigou-se em mim, até pensei, “se calhar vão brindar-me com a transmissão do conto...”.
Num corre-corre frenético – com licença... faça o favor ... – os empregados-de-mesa giravam por entre passageiros, ávidos daquele deguste de gulodices, julgava eu, e idealizei figos passados, licor de tangerina, talvez naquele paquete um whisky velho a dar o tal requinte hodierno, e tomei o meu assento no repasto. Ainda conjecturando, risquei de mim, “massa sovada... ah, isso não, nem tigelada, muito menos papas de arroz e vinho abafado nem pensar...”
Um outro cheiro, esse bem familiar, exalava pelo grande salão de jantar, “mas não é possível...”, ia eu a abjurar aquela ideia de caldo verde e, pior, baalhau-com-todos...
À terra aonde fores ter... está claro que depressa me esqueci desses primores da minha terra e abanquei feliz com aquele agradável brinde de me porem novamente a comer...
O caldo sumiu-se com sofreguidão e ao baalhau-com-todos apenas lhe faltava juntar o azeite que borrifei a gosto.
E nada da consolosa tigelada, muito menos papas de arroz e vinho abafado nem pensar...
Ao outro dia, o azeite regado à farta no baalhau-com-todos, o vinho e o remate do digestivo, já noite alta, tudo fez das suas, porventura oleou em demasia a máquina que era nova do trinco, mas foi o bastante para desandar os carretes. E de tal forma me abalroou, que no beliche fiquei todo o santíssimo dia de Natal, e mais o outro, “dentro de duas horas o barco vai atracar...”, presenteou-me o camaroteiro com duas laranjas esmeradamente descascadas...
E verdade que a vigia permitia já ver a costa escarpada e logo mais a bela cidade do Funchal, correndo linda encosta acima – ah, e que tão bem soaram os três apitos da praxe...
É mais que certo que tiveram uma Consoada apetitosa, bem regada e alegre, claro está, com a pequenada a sarilhar – quem sabe sabendo a um outro Natal.
E aquele novo leitor na igreja, nós, os dois, sentados na nossa banca das “Viagens no Tempo”, que os olhos lhe brilhavam pelos netos, “já tenho dois...”, e contava-me, “as suas crónicas, as de África...”, e falámos das Cartas de Guerra, de Lobo Antunes.
Mas o outro aspirante a avô, dolente, que os meninos lhe tardam em chegar, contentou-se, “bem, ainda não chegou a minha vez...” – tudo tem um tempo, meu bom amigo.
Adiante... Olhem, reparem nesse outro Menino – há que eras de atalaia – tem qualquer coisa no Seu olhar...
Pois tem... anda de olho nos nossos bambinos...
2008-12-26
Bento Sampaio
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