"Um bispo britânico, a quem o Vaticano levantou a excomunhão a 21 de Janeiro, negou publicamente a existência do Holocausto nazi. Isso gerou um coro de protestos contra não o prelado Richard Williamson mas contra o Papa Bento XVI. Até responsáveis como Angela Merkel (3 Fev.) e Mário Soares (DN, 3 Fev.) quiseram censurar. Podemos fazer um exercício curioso analisando esses ataques à luz dos próprios princípios dos críticos. A primeira coisa que salta à vista é a ligeireza. Os que contestam a decisão papal não sabem nada sobre ela. Ignoram o problema, desconhecem o bispo em causa, nem sequer ouviram o que ele disse. Limitam-se a reagir a títulos sensacionalistas e provocadores, que só pretendem agitar as religiões. Assemelham o caso ao genial discurso de Bento XVI na universidade de Ratisbona a 12 de Setembro de 2006, que por acaso também não leram. Se tivessem procurado compreender a circunstância, veriam que ela confirma precisamente os valores que dizem defender e contraria as críticas que se habituaram a dirigir à Igreja. O castigo agora levantado fora imposto automaticamente quando o arcebispo (que Soares graduou em cardeal) tradicionalista Marcel Lefebvre (1905- -1991) ordenou sem autorização quatro bispos a 30 de Junho de 1988. Este foi o cisma que feriu o nosso tempo, e que a Igreja Católica procura sarar há 20 anos. Os papas, como o pai do filho pródigo, têm feito sempre assim em todos os cismas. Agora, após longas e delicadas negociações, respondendo aos pedidos dos mesmos quatro bispos, a excomunhão latae sententiae foi-lhes levantada. Os prelados continuam sem funções canónicas e a sua Fraternidade S. Pio X não tem reconhecimento oficial. Mas foi um avanço importante na via do diálogo. Os políticos, que enchem a boca com tolerância, deviam admirar este difícil e complexo processo. Tanto mais delicado quanto o levantamento do castigo está a ser fortemente contestado pelos integristas radicais, que consideram Roma apóstata, modernista e cismática. Todos os valores da reconciliação, moderação e diálogo estão do lado do Papa, que acaba atacado por isto mesmo pelos autodenominados campeões da liberdade.O segundo aspecto curioso é o tabu. Num mundo que gosta de se anunciar sem preconceitos e repudia a censura, existe um bloqueio drástico sobre o Holocausto. Comentar o horror nazi não pode ser feito fora da versão oficial. São admitidas todas as opiniões, menos essa. O pior é a forma inquisitorial, fanática e abespinhada com que o assunto é enfrentado. Quem nega as câmaras de gás deveria ser tratado com um sorriso pela ignorância e uma gargalhada pela tolice. Hoje o disparate é tanto que não merece mais. Em vez disso todos estes democratas e republicanos, supostamente tolerantes, condenam da forma mais persecutória o Papa por ele terminado o castigo canónico. Parece que Williamson devia ser excomungado de novo, agora não por insubordinação mas por opinião histórica. E Bento XVI também, mesmo não concordando com ele. Os judeus, para quem a questão da shoah não é retórica mas pungente, têm razões legítimas para ficar ofendidos com as declarações do negacionista. Mas eles sabem bem qual a posição do Vaticano sobre esse horror, sucessivamente afirmada e de novo repetida desta vez. Podem criticar Williamson. Não o Papa.A Igreja promove há décadas um intenso e proveitoso diálogo com as outras religiões, como procura reconciliar-se com todos os que ao longo dos séculos foram abandonando a comunhão católica. Os avanços no ecumenismo e relações inter-religiosas constituem aliás um dos maiores e decisivos êxitos da diplomacia e cooperação dos últimos cem anos. Se os políticos, de qualquer região ou orientação, compararem os seus esforços de negociação com os do Vaticano bem podem ficar espantados. Acima de tudo, este caso mostra que neste tempo mediático e superficial ainda há quem olhe ao fundo das coisas, quem considere o valor das pessoas, não dos boatos, quem defenda princípios elevados, não preconceitos apressados. Esse é Bento XVI."
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