Neste fim de semana, reuniram-se os antigos alunos do Conservatório, velhos amigos, em simpática tarde de Sábado, recordando, nas partituras que o tempo amarelaceu, a arte dos sons como quando a idade era menos de metade.
Visto da Europa, a tomada de posse do Presidente Barack Obama é analisada como a chegada ao poder do chefe do executivo americano. O Presidente é o líder do governo. É ele quem dirige a política económica, a política externa, é ele que pode decidir fechar Guantánamo, retirar as tropas americanas do Iraque, transformar os EUA num país amigo do ambiente, criar um sistema de saúde universal para todos os cidadãos americanos, tentar contribuir para resolver o “problema” do Médio Oriente. Mas esquecem-se que na terça-feira não assistimos ao início de mandato de um chefe do executivo. Assistimos a uma coroação republicana. E isso é importante para compreender o significado do apoio dado a esta Presidência. Quando os pais da Constituição Americana escolheram a sua forma de governo em 1787, não havia regimes parlamentares. O que havia eram monarquias, umas que se poderiam chamar mais constitucionais do que outras. É certo que o regime americano foi fundado contra a coroa inglesa, mas também é verdade que esta funcionou como matriz das possibilidades constitucionais da época. Tal como o Rei inglês de meados do século XVIII, o Presidente americano assumiu-se como o chefe do Executivo. Do mesmo modo não se estabeleceu a responsabilidade do Presidente perante o Parlamento, ou Congresso, como preferiram chamar-lhe. Nessa altura, em Inglaterra, o governo dependia apenas do monarca que obviamente não prestava contas ao eleitorado. Pelo contrário, e tal como se convencionou nos EUA, os poderes do Parlamento inglês e do monarca eram separados. Portanto, as características fundamentais da Constituição americana, nomeadamente a independência dos órgãos executivo e legislativo bem como a separação de poderes, vieram replicar o que então existia na Inglaterra. Mas com uma diferença que viria a revelar-se crucial para a durabilidade do regime: a eleição do Presidente. Considerou-se a hipótese de eleger o Presidente de forma directa ou de ser o Congresso a escolhê-lo, e acabou por se concordar numa solução intermédia: constituiu-se um colégio de delegados, eleitos pelo povo, que escolheriam o próximo Presidente. Embora o colégio eleitoral se mantenha até hoje, rapidamente se transformou num arcaísmo, sendo que os delegados deixaram de ter qualquer independência de voto. É esta eleição directa (para todos os efeitos) do Presidente, que veio dar origem ao primeiro regime em que o poder executivo, legitimado nas urnas, se conjuga com a representação simbólica do Estado. Na velha Europa, os poderes executivos dos monarcas que serviram como modelo ao regime Americano não resistiram à mudança social que exigiu maior poder às instituições políticas representativas. Nos casos em que os monarcas conseguiram apesar de tudo manter-se como chefes de Estado, perderam os poderes executivos. É à luz desta importância simbólica que se deve avaliar o apoio que Barack Obama tem hoje nos EUA (e a gravidade da impopularidade de Bush nos últimos tempos). Segundo a Gallup, 78 por cento dos americanos são favoráveis ao novo Presidente. Aqueles que agora prevêem que o apoio se irá desfazer, esboroar rapidamente perante as duras realidades da política, da crise internacional e da conjuntura esquecem algo de fundamental: Quando consideramos um chefe do executivo num qualquer regime parlamentar podemos considerar que o apoio que é dado pelo eleitorado no início de um mandato depende apenas das expectativas em relação à governação. No entanto, quando olhamos para a percentagem de opiniões favoráveis em relação a um Presidente americano no momento da tomada de posse temos de considerar que esta não resulta apenas dessas questões concretas. Depende muito das percepções dos eleitores sobre a forma como o novo Presidente representa a República e a Nação. Ao vencer a eleição em Novembro, Barack Obama reavivou o “sonho americano”. Agora, na tomada de posse, transformou esse sonho num stock importante de apoio que o torna menos vulnerável às intempéries da conjuntura.
(Publicado no Jornal de Negócios, 22 Janeiro 2009) Publicada por Marina Costa Lobo"
Será que Obama também estudou no nosso Conservatório? Será uma dúvida pertinente para quem não tiver paciência para ler integralmente o texto do Edgardo e se ficar pela primeira frase ...
7 comentários:
"Uma Coroação Repubicana
Visto da Europa, a tomada de posse do Presidente Barack Obama é analisada como a chegada ao poder do chefe do executivo americano. O Presidente é o líder do governo. É ele quem dirige a política económica, a política externa, é ele que pode decidir fechar Guantánamo, retirar as tropas americanas do Iraque, transformar os EUA num país amigo do ambiente, criar um sistema de saúde universal para todos os cidadãos americanos, tentar contribuir para resolver o “problema” do Médio Oriente. Mas esquecem-se que na terça-feira não assistimos ao início de mandato de um chefe do executivo. Assistimos a uma coroação republicana. E isso é importante para compreender o significado do apoio dado a esta Presidência.
Quando os pais da Constituição Americana escolheram a sua forma de governo em 1787, não havia regimes parlamentares. O que havia eram monarquias, umas que se poderiam chamar mais constitucionais do que outras. É certo que o regime americano foi fundado contra a coroa inglesa, mas também é verdade que esta funcionou como matriz das possibilidades constitucionais da época.
Tal como o Rei inglês de meados do século XVIII, o Presidente americano assumiu-se como o chefe do Executivo. Do mesmo modo não se estabeleceu a responsabilidade do Presidente perante o Parlamento, ou Congresso, como preferiram chamar-lhe. Nessa altura, em Inglaterra, o governo dependia apenas do monarca que obviamente não prestava contas ao eleitorado. Pelo contrário, e tal como se convencionou nos EUA, os poderes do Parlamento inglês e do monarca eram separados. Portanto, as características fundamentais da Constituição americana, nomeadamente a independência dos órgãos executivo e legislativo bem como a separação de poderes, vieram replicar o que então existia na Inglaterra.
Mas com uma diferença que viria a revelar-se crucial para a durabilidade do regime: a eleição do Presidente. Considerou-se a hipótese de eleger o Presidente de forma directa ou de ser o Congresso a escolhê-lo, e acabou por se concordar numa solução intermédia: constituiu-se um colégio de delegados, eleitos pelo povo, que escolheriam o próximo Presidente. Embora o colégio eleitoral se mantenha até hoje, rapidamente se transformou num arcaísmo, sendo que os delegados deixaram de ter qualquer independência de voto.
É esta eleição directa (para todos os efeitos) do Presidente, que veio dar origem ao primeiro regime em que o poder executivo, legitimado nas urnas, se conjuga com a representação simbólica do Estado. Na velha Europa, os poderes executivos dos monarcas que serviram como modelo ao regime Americano não resistiram à mudança social que exigiu maior poder às instituições políticas representativas. Nos casos em que os monarcas conseguiram apesar de tudo manter-se como chefes de Estado, perderam os poderes executivos.
É à luz desta importância simbólica que se deve avaliar o apoio que Barack Obama tem hoje nos EUA (e a gravidade da impopularidade de Bush nos últimos tempos). Segundo a Gallup, 78 por cento dos americanos são favoráveis ao novo Presidente. Aqueles que agora prevêem que o apoio se irá desfazer, esboroar rapidamente perante as duras realidades da política, da crise internacional e da conjuntura esquecem algo de fundamental:
Quando consideramos um chefe do executivo num qualquer regime parlamentar podemos considerar que o apoio que é dado pelo eleitorado no início de um mandato depende apenas das expectativas em relação à governação. No entanto, quando olhamos para a percentagem de opiniões favoráveis em relação a um Presidente americano no momento da tomada de posse temos de considerar que esta não resulta apenas dessas questões concretas. Depende muito das percepções dos eleitores sobre a forma como o novo Presidente representa a República e a Nação. Ao vencer a eleição em Novembro, Barack Obama reavivou o “sonho americano”. Agora, na tomada de posse, transformou esse sonho num stock importante de apoio que o torna menos vulnerável às intempéries da conjuntura.
(Publicado no Jornal de Negócios, 22 Janeiro 2009)
Publicada por Marina Costa Lobo"
bli - queria eu escrever..
Dos confins da Ribeira Chã, José Pacheco aproveita o dia de hoje para celebrar o seu aniversário.
Será que Obama também estudou no nosso Conservatório? Será uma dúvida pertinente para quem não tiver paciência para ler integralmente o texto do Edgardo e se ficar pela primeira frase ...
Mas não se deixe de ler o mais fiel comentador deste jornal on-line, de cultas intervenções e humorísticos footnotes.
Obama é o apreciador de variados vins (e vinhos) que irá restaurar a adega da ainda chamada de "White" House... Hip, hip... Wine House!
Faço ideia do que representou o encontro no Conservatório. Por lá andei a aprimorar a voz - coisa boa que me aconteceu.
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