E a primeira coisa que fez foi renovar a carta apreendida, “já drivaste, alguma vez?”, e a resposta, que o Pai Eterno já riscou do rol, “não, nunca drivei…”.
Coisa pouca de corpo, não era da Virgínia este Manuel, nem da minha Ponta Garça também, e mesmo na Vila ninguém saberia quem ele era. Então quem poderia ser essa figura barbuda, escassa de canastro, um Zé minguado, quase ninguém?
Como aprecio escarafunchar tudo o que me possa impressionar, ia ouvindo o que me diziam dele, “é uma alma pródiga, tu vais ver…”, e com este meu jeito, “como é que vai ser?”, indaguei do meu bom amigo Zé de Medeiros.
Tudo combinado para a quinta-feira da passada semana, “levas uma garrafinha…”, e sendo um ajuntamento grande, “levo duas…”, pensei – pois claro, melhor assim.
Missa celebrada na minha terra, o rancho da Várzea ia saindo, os bordões alvoravam do chão como preces atendidas, os irmãos trocavam olhares sentidos com familiares, apertavam amigos e aquele mirone que era eu ficou-se ao largo que assim se via melhor – o pormenor do corpo parco do Manuel, o olhar cavado, vendo porventura mais do que todo o grupo, o girar dele, à fala com este mesmo ali, esse acolá que o chama, e aqueloutro que já não via há um par de meses – “é aquele!”, disse-me o meu bom Zé Jacinto, e lá ia aquele estranho romeiro com os companheiros de ventura.
Nada sabia de mim o Manuel da Virginia.
Quando lhe disseram que eu rabiscava para o Diário, “ele quer escrever sobre ti, Manuel”, aí o homem se abeirou, “que precisa o senhor de mim?”.
Eu? Nada. Aposentado, a vida a correr-me sem me queixar, pensei responder, “não, não preciso mesmo de nada…”, e passei-lhe o braço por cima como se eu fosse muito maior do que ele, “gostava só de lhe perguntar…”.
Ele abriu-se, “eu gosto de estar entre gente…”, mas ia a dizer-lhe do que me haviam dito sobre a sua generosidade, “se já sabe…”, como quem diz, “ora, vamos lá a outra”. Que não tinha votado no Obama, “mas já mostrou que sabe o que o povo espera dele – só isso é que interessa…”.
Queria eu saber dos acasos da vida que lhe acenou, “vem daí Manel!”. O que lhe aconteceu… sumiu-se de New Bedford para se safar duma enrascada da idade, “ia numa correria feia…”, e o resultado foi caçarem-lhe a carta por dez anos, uns dias de degredo atrás das grades, e virou-se para mim, “e agora?”
Aquele Manuel, parecendo coisa pouca, menor que os demais, achou-se só em si mesmo, fixou-me certeiro, “a sorte é o trabalho que a gente agarra”, e foi parar ao Estado da Virgínia para mostrar que poderia ser gente grande,
Valeu aquele detalhe, “no tempo, isso nos finais de ‘60, os computers estavam ainda no princípio” – e com o sorriso que se tem da vitória – “pouco sabiam os States uns dos outros das trapalhadas da sua gente…”, e a primeira coisa que fez foi renovar a carta apreendida, “já drivaste, alguma vez?”, e a resposta, que o Pai Eterno já riscou do rol, “não, nunca drivei…”.
E foi por aí fora, mostrou o jeito, a garra de deitar a mão ao que poderia dar nas vistas, “se a gente não se mostra…”, pois tinha razão o Manuel.
O rapaz medra a olhos vistos no State of Virginia. É novo, cruza-se de olhares com as moças da nação, não topa vivalma da sua terra, e que fazer? Bem, nestes casos o coração risca, o tino aguça-se e o melhor partido é aquele que nos traz o proveito completo para o corpo e o sossego de consciência.
Está ele e ela em idade de se casarem, sim senhor. A neta do patrão acha-lhe graça e juntam-se num enlace feliz. Poucos dias de lua, que o mel há-de produzir-se no cortiço de suas vidas.
E vai à luta o Manuel da Virginia, cresce, multiplica tudo, cria a Copper Massory, uma construtora espalhada de obras em dez estados, e entrega-se na maior estrutura até hoje – um hospital de trinta e cinco edifícios, “estamos nele há três anos, mas tem que estar pronto em 2016, sem falta”.
Vê-se que um Manuel desta fibra, indo tão longe, ganha à farta para o sustento da casa, e sobra ainda muitas dolas que não as quer todas para si. Pois claro, liga-se com o Governo Regional em ajudas a quem queira estudar muito mais do que ele – e os de amanhã, eles e elas, misturando-se com os de longe, vão num desejo de mais saber.
Ai, o Manuel da Virginia que devora futebol e só o Benfica lhe caiu no goto. Das muitas saudades da sua Lomba de São Pedro, o Manuel chamou o seu Benfica e o Sporting para mostrarem à terra as habilidades de campeões, “aluguei por dias um terreno…”, aplanou-o e lá se exibiram os melhores. O curioso é que o dono da terra a queria de volta do mesmo feitio, “até tivemos de repor uns mamelões que a corisca tinha…”, contou divertido, depois de nos saciarmos, na sua amada Lomba, com cabrito assado para um grande magote de gente.
E no fim, como quem trouxe escolates e candins para os petenhos, vira-se num consolo de alma, “é para si…” – um relógio de algibeira com a inscrição Romeiros 2009.
Será rico esse Manuel? Talvez…O povo diz: “só se é rico com a graça de Deus” – e é verdade.
Coisa pouca de corpo, não era da Virgínia este Manuel, nem da minha Ponta Garça também, e mesmo na Vila ninguém saberia quem ele era. Então quem poderia ser essa figura barbuda, escassa de canastro, um Zé minguado, quase ninguém?
Como aprecio escarafunchar tudo o que me possa impressionar, ia ouvindo o que me diziam dele, “é uma alma pródiga, tu vais ver…”, e com este meu jeito, “como é que vai ser?”, indaguei do meu bom amigo Zé de Medeiros.
Tudo combinado para a quinta-feira da passada semana, “levas uma garrafinha…”, e sendo um ajuntamento grande, “levo duas…”, pensei – pois claro, melhor assim.
Missa celebrada na minha terra, o rancho da Várzea ia saindo, os bordões alvoravam do chão como preces atendidas, os irmãos trocavam olhares sentidos com familiares, apertavam amigos e aquele mirone que era eu ficou-se ao largo que assim se via melhor – o pormenor do corpo parco do Manuel, o olhar cavado, vendo porventura mais do que todo o grupo, o girar dele, à fala com este mesmo ali, esse acolá que o chama, e aqueloutro que já não via há um par de meses – “é aquele!”, disse-me o meu bom Zé Jacinto, e lá ia aquele estranho romeiro com os companheiros de ventura.
Nada sabia de mim o Manuel da Virginia.
Quando lhe disseram que eu rabiscava para o Diário, “ele quer escrever sobre ti, Manuel”, aí o homem se abeirou, “que precisa o senhor de mim?”.
Eu? Nada. Aposentado, a vida a correr-me sem me queixar, pensei responder, “não, não preciso mesmo de nada…”, e passei-lhe o braço por cima como se eu fosse muito maior do que ele, “gostava só de lhe perguntar…”.
Ele abriu-se, “eu gosto de estar entre gente…”, mas ia a dizer-lhe do que me haviam dito sobre a sua generosidade, “se já sabe…”, como quem diz, “ora, vamos lá a outra”. Que não tinha votado no Obama, “mas já mostrou que sabe o que o povo espera dele – só isso é que interessa…”.
Queria eu saber dos acasos da vida que lhe acenou, “vem daí Manel!”. O que lhe aconteceu… sumiu-se de New Bedford para se safar duma enrascada da idade, “ia numa correria feia…”, e o resultado foi caçarem-lhe a carta por dez anos, uns dias de degredo atrás das grades, e virou-se para mim, “e agora?”
Aquele Manuel, parecendo coisa pouca, menor que os demais, achou-se só em si mesmo, fixou-me certeiro, “a sorte é o trabalho que a gente agarra”, e foi parar ao Estado da Virgínia para mostrar que poderia ser gente grande,
Valeu aquele detalhe, “no tempo, isso nos finais de ‘60, os computers estavam ainda no princípio” – e com o sorriso que se tem da vitória – “pouco sabiam os States uns dos outros das trapalhadas da sua gente…”, e a primeira coisa que fez foi renovar a carta apreendida, “já drivaste, alguma vez?”, e a resposta, que o Pai Eterno já riscou do rol, “não, nunca drivei…”.
E foi por aí fora, mostrou o jeito, a garra de deitar a mão ao que poderia dar nas vistas, “se a gente não se mostra…”, pois tinha razão o Manuel.
O rapaz medra a olhos vistos no State of Virginia. É novo, cruza-se de olhares com as moças da nação, não topa vivalma da sua terra, e que fazer? Bem, nestes casos o coração risca, o tino aguça-se e o melhor partido é aquele que nos traz o proveito completo para o corpo e o sossego de consciência.
Está ele e ela em idade de se casarem, sim senhor. A neta do patrão acha-lhe graça e juntam-se num enlace feliz. Poucos dias de lua, que o mel há-de produzir-se no cortiço de suas vidas.
E vai à luta o Manuel da Virginia, cresce, multiplica tudo, cria a Copper Massory, uma construtora espalhada de obras em dez estados, e entrega-se na maior estrutura até hoje – um hospital de trinta e cinco edifícios, “estamos nele há três anos, mas tem que estar pronto em 2016, sem falta”.
Vê-se que um Manuel desta fibra, indo tão longe, ganha à farta para o sustento da casa, e sobra ainda muitas dolas que não as quer todas para si. Pois claro, liga-se com o Governo Regional em ajudas a quem queira estudar muito mais do que ele – e os de amanhã, eles e elas, misturando-se com os de longe, vão num desejo de mais saber.
Ai, o Manuel da Virginia que devora futebol e só o Benfica lhe caiu no goto. Das muitas saudades da sua Lomba de São Pedro, o Manuel chamou o seu Benfica e o Sporting para mostrarem à terra as habilidades de campeões, “aluguei por dias um terreno…”, aplanou-o e lá se exibiram os melhores. O curioso é que o dono da terra a queria de volta do mesmo feitio, “até tivemos de repor uns mamelões que a corisca tinha…”, contou divertido, depois de nos saciarmos, na sua amada Lomba, com cabrito assado para um grande magote de gente.
E no fim, como quem trouxe escolates e candins para os petenhos, vira-se num consolo de alma, “é para si…” – um relógio de algibeira com a inscrição Romeiros 2009.
Será rico esse Manuel? Talvez…O povo diz: “só se é rico com a graça de Deus” – e é verdade.
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